
A noção (ou falta de noção) moderna do fenômeno da música, em resumo, é o resultado inevitável da atual visão materialista-reducionista do mundo. Nessa visão do mundo, a música é inevitavelmente descrita em função do seu aspecto mais tangível e mensurável: o de consistir em vibrações do ar. Outrossim, de acordo com a mesma visão do mundo, os próprios seres humanos - executantes e ouvintes da música - são meras máquinas biológicas, que evoluíram mercê de um acaso feliz, não possuem nenhum propósito final de existência, e cujos pensamentos e emoções nada mais são do que processos bioquímicos automaticamente produzidos como reflexos condicionados ao mundo que os rodeia.
Para o materialista, portanto, disso se segue, naturalmente, que as pessoas executam ou ouvem música, primeiro que tudo, porque experiências passadas as "programaram" para fazê-lo. E nos seus instantes mais generosos o materialista pode admitir, relutante, que tais experiências passadas consistiam em "sensações de prazer". Digâmo-lo sem rebuços, a filosofia materialista da música parece escassamente suficiente. Entretanto, subsiste o fato de que a maioria dos próprios músicos contemporâneos concebe a música desta maneira - como "som" (seja isso o que for...) que entretém e dá prazer ao cérebro Homo sapiens
. Qual é o resultado desse ponto de vista materialista sobre a música de hoje? Uma multidão de formas musicais - e todas, virtualmente, na melhor das hipóteses, são a música do humanismo materialista. Um século no qual, em grande parte, a música perdeu o seu caminho (pois que direção pode ser tomada quando nada no universo possui algum sentido ou propósito final?).
E, no entanto...
Faz, talvez, umas duas décadas que vem surgindo, ao longe, no mundo, o princípio de uma nova consciência. Não só na música, mas em muitas áreas da vida, nota-se, no seio de certa minoria, uma ressurgência do interesse pelas questões do espírito. Pessoas jovens e não tão jovens são vistas, a miúdo, rejeitando completamente a visão materialista do mundo. Procuram, em vez disso, adotar uma visão mística, e tendem a fazê-lo com inabalável dedicação. Alguns falam da nova Era de Aquário, na qual, segundo se afirma, a religião se tornará científica, no melhor sentido, e a ciência mais religiosa. Seja qual for a sua causa, é indubitável que existe um novo movimento entre alguns no rumo do altruísmo, da esperança, da fraternidade e do interesse pela auto-evolução.
A visão não-materialista do mundo exige uma filosofia não-materialista da música.
Das décadas que passaram, vem-nos um aviso sobre os perigos dos tipos errados de música - um aviso partido do próprio Henry David Thoreau, que escreveu da sua cabana de troncos:
Até a música pode ser inebriante. Causas dessa natureza, aparentemente sem importância, destruíram a Grécia e Roma, e destruirão a Inglaterra e a América.
A reação do homem moderno ao aviso de Thoreau será, provavelmente, deste gênero: "Oh, mas isso é levar as coisas um pouco longe demais, não é mesmo?" Entretanto, é, precisamente, absolutamente neste ponto, que o homem do século XX se afasta do ponto de vista sustentado, virtualmente, por todas as cabeças pensantes desde os tempos antigos até o século XIX...
É possível que a maior fraqueza da visão materialista moderna do mundo seja a sua incapacidade de perceber as causas dos efeitos. Aqui, dentre todos os lugares, é que os filósofos da China, da Índia, do Egito e da Grécia antiga merecem o nosso mais profundo respeito, visto que se pode dizer que eles se especializaram em ver a causa e o âmago das coisas. E, decerto, teriam concordado com Thoreau em que a música pode destruir a civilização. Explicaram, com minudências, o tipo de música que deveria prevalecer em ordem a manter a estabilidade e o bem-estar do Estado, bem como a felicidade, a prosperidade e o progresso espiritual de cada cidadão. Ademais, indicaram, da mesma maneira circunstanciada, o tipo de música que deveria ser rigorosamente evitado em razão dos seus efeitos destrutivos e degenerativos sobre o ser humano e a nação.
David Tame