Inúmeras lendas chinesas atestam maiores, e até mágicas, possibilidades da música. Uma, por exemplo, nos conta como o mestre de música Wen de Cheng aprendeu a dominar os elementos. O mestre Wen acompanhava o grande Mestre Hsiang em suas viagens. Durante três anos Mestre Wen arranhou as cordas da cítara, mas não lhes arrancou melodia alguma. Disse-lhe, então, Mestre Hsing: "Deixe disso, vá para casa." Depondo o instrumento no chão, Mestre Wen suspirou e respondeu: "Não é que eu não possa produzir uma melodia. O que tenho em mente não se relaciona com cordas; não viso os tons. Enquanto não o tiver alcançado no coração não poderei expressá-lo no instrumento; portanto, não me atrevo a mover a mão e ferir as cordas. Dê-me, porém, um pouco de tempo e examine-me depois."
Volvido algum tempo, voltou e aproximou-se outra vez de Mestre Hsiang, que lhe perguntou: "E então? Como vai sua execução?"
Era primavera, mas quando Mestre Wen dedilhou a corda Shang e acompanhou-lhe o dedilhar com o oitavo semitom, um vento frio se levantou e os arbustos e as árvores deram frutos. Agora era outono.
Mestre Wen dedilhou novamente uma corda, desta feita a corda Chiao, e acompanhou-a com o segundo semitom: ergueu-se uma brisa lânguida e quente, os arbustos e as árvores floresceram.
Era verão agora, mas ele feriu a corda Yü e fez que lhe respondesse o décimo primeiro semitom, o que provocou a queda da geada e da neve e o congelamento dos rios e dos lagos.
Quando o inverno chegou, tocou a corda Chih e acompanhou-a com o quinto semitom: rompeu o Sol e o gelo imediatamente se derreteu.
Finalmente, Mestre Wen de Cheng tangeu a corda Kung e o fez em uníssono com as outras quatro cordas: formosos ventos murmuraram, ergueram-se nuvens de boa fortuna, entrou a cair um doce orvalho e os mananciais das águas avolumaram-se, pujantes.
Está claro que não se deve tomar esse lenda pelo seu valor ostensivo. Os chineses criam, de fato, que a música influi nos fenômenos da natureza. Não acreditavam, todavia, se pudesse esperar que os tons do homem mortal fossem capaz de evocar, literalmente, uma estação depois da outra, como afirma a lenda de Mestre Wen de Cheng. Mas se atentarmos melhor para a história, sem esquecer a grande tendência do antigo espírito chinês a gravitar em torno de assuntos espirituais e a expressar-se em termos simbólicos, um significado mais profundo se erguerá, revelado, ante nossos olhos:
As quatro cordas externas da cítara e as quatro estações simbolizam a antiga concepção dos quatro aspectos do ser humano: sua mente abstrata, sua mente concreta, suas emoções e seu corpo físico. (Estes quatro vieram, mais tarde, a ser chamados pelos alquimistas da Europa, "Fogo, Ar, Água e Terra".)
Mestre Wen não pôde satisfazer ao seu guru, Mestre Hsiang, porque ainda não senhoreou os quatro aspectos do seu ser. Em razão disso, não lhe é dado executar música sublime. Mas afasta-se e só volta depois de haver atingido a plena florescência da espiritualidade do seu coração.
Agora, Mestre Wen pode dedilhar as quatro cordas externas e provocar com elas um grande efeito. Da mesma forma, e muito mais significativamente, logrou o domínio total de seus processos mentais abstratos e concretos, da sua natureza emocional e física, e pode "tocá-los".
David Tame
Interessante a história, possivelmente uma lenda, o que é muito comum nos orientais para transmitirem determinadas ideias. Gostaria de convidar a ler o meu blo que fala sobre a música das esferas, começando pelos pitagóricos. https://blogdapimenta11.blogspot.com/